sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

.Educação 2.0

9 de Outubro de 2008 
  
            "Já faz tempo que ir à escola não me anima mais. Algumas práticas da professora me angustiam profundamente, e ela parece tão cansada e sem paciência que eu não consigo me aproximar e tentar sugerir qualquer outra coisa. As crianças lá na escola têm um problema sério com material escolar. Os cadernos se “autodestroem”, os lápis são “mágicos” pois desaparecem todos os dias, apontadores quebram diariamente, e a única coisa que a professora diz é: cansei de gastar dinheiro comprando material para vocês! As crianças que emprestam material acabam ficando sem. Não existe a prática de “pegar emprestado e depois de usar, devolver”. E sinceramente, para mim, isso é uma questão de prática, de rotina. É cansativo, mas creio que a tendência é as coisas se estabilizarem. 

No primeiro semestre eu tentei estabelecer outra relação das crianças com o material, no caso, com o lápis. Levei 25 lápis para a escola, marcados com uma fita adesiva amarela, e acordei com eles que aqueles seriam os lápis da turma. No dia que alguém estivesse sem material, poderia utilizar um lápis do pote coletivo, e no final do dia devolvê-lo. A turma seria responsável, com o auxílio da professora, de verificar todos os dias, se todos os lápis estavam lá. Isso funcionou pouco tempo. A professora reclamou de ter que fazer aquilo todos os dias, da mesma forma que ela reclama que não dá pra levar as crianças para lavar as mãos todos os dias, que não dá pra preencher o calendário todos os dias, ela sempre fala, em alto e bom som que não se pode fazer nada com aquelas crianças, porque elas são muito indisciplinadas. 

Eu acredito que com crianças pequenas como eles é necessário sim haver uma rotina. Uma rotina embutida de valores. Sabe o que significa “rotina” para aquelas crianças? Cópia da lousa. Todos os dias eles abrem o caderno para copiar a rotina da lousa:

Escolinha Branca

Campinas, 8/10/2008

Meu nome é: blá blá blá
Ai ou eles escrevem o alfabeto, ou os números;
E em seguida, copiam tudo aquilo que fizeram e farão naquele dia, por exemplo:
-          Atividade com pintura
-          Recreio
-          Caça palavras
-          Parque.

Por isso eu me pergunto: de que adianta pensar em Freinet, e “valorizar” a rotina se na real ela se resume a copiar da lousa do que será feito naquele dia? Eu fico pensando muito na minha (futura) prática. 

“Eu me sinto muito triste. Quero que tudo acabe logo. Sinto sono, cansaço. A maioria das relações é baseada na coação, na chantagem. Se funciona? Claro! A professora está cansada e gripada como eu. Minha cabeça dói! Já tomei remédio. Ela pede que as crianças se comportem porque ela está doente. As crianças não se comportam”. – diário de campo, 08/10/2008. 

Eu percebo essa relação de chantagem, baseada em fundações fracas, desde o inicio do estágio em Março. Não há muito respeito, as crianças se agridem muito, a professora grita muito e diz coisas que me chocam. Quando alguma criança diz que perdeu alguma coisa, seja lápis, borracha, ou agasalho de frio, ela diz: “cada um tem que cuidar das suas coisas, vocês sabem bem que aqui tem gente que rouba as coisas dos outros”. Partindo de um olhar reflexivo, para o meu desanimo, para a minha tristeza dentro da escola, não me sinto na posição de julgar, porque não sou eu a responsável, todos os dias, por aquelas crianças. Mas, acredito que certas coisas não devem ser ditas, dessa forma, para as crianças. 

Eu já vi crianças tentando pegar coisas das outras, mas nunca falei dessa forma com ninguém lá. Em contrapartida, em um dia de estágio, sumiu dinheiro da minha mochila. É sinceramente angustiante estar em um lugar quando não se sabe muito qual é o seu papel, até onde você pode ir. 

Conversando com as meninas do meu grupo de trabalho, percebi que na escola delas as coisas são diferentes. A relação de respeito e de autoridade é outra. Ai comecei a pensar: o é de fato, autoridade? Pensando na prática docente na escola... O que faz da relação professor- aluno uma relação de respeito, de ensino-aprendizagem, tentando sempre evitar as injustiças, descontroles... Seria possível uma relação harmoniosa sem desfocar dos propósitos da escola? Espero que não pareça uma reflexão simplista, pois a partir disso abriu-se um mundo de possibilidades fundamentada em diversos autores como Foucault e Arendt

Sinceramente, eu gostaria de ter escrito uma narrativa diferente, mas perdi as forças. Cansei de “dar murro em ponta de faca”, chega uma hora que dói demais. Na minha primeira narrativa acreditei que dizer as coisas que eu estava pensando, as coisas nas quais refleti por muito tempo, fosse fazer algum sentido e quem sabe talvez, promover alguma mudança em todas as coisas que vêm acontecendo nas aulas de pedagogia. Mas nos comentários que recebi, constatei que professor sempre acha que aluno nunca reflete antes de falar/escrever alguma coisa. Toda a minha fala sobre a minha formação foi minimizada, e em diversos momentos, deparei-me com a frase “reflita melhor” em meio aos comentários. Refletir melhor é refletir do seu jeito? 

Vou repetir: EU QUERO QUE ESSE SEMESTRE ACABE O MAIS RÁPIDO POSSÍVEL.  E não é porque não tenho compromisso com a faculdade, não é porque faço faculdade de qualquer jeito, não é porque quero tirar vantagem. Eu apenas não sei mais se é isso que vai me satisfazer na vida. Perdi o tesão, o ânimo, a força. Para reforçar, vou copiar meu ultimo parágrafo da minha primeira narrativa, só para reforçar que, apesar da narrativa exclusivamente sobre meu estágio, eu continuo do mesmo jeito de antes.

'Certamente, esse está sendo o pior semestre da faculdade até agora, conseguiu superar o semestre passado. Sinto que não adianta querer de fato refletir sobre as proposições docentes, de modo a tentar melhorar para os alunos a vivência em certas disciplinas. E isso é uma constante em todas as disciplinas do semestre: relações de autoridade nem sempre naturalmente estabelecidas. Eu apenas lamento. Resta-me lamentar... E esperar ansiosamente pelo Natal! Que chegue logo o Natal!!!'."


Tá bom, tá bom. É claro que tem outras coisas que podem ser feitas além de lamentar! Às vezes a gente escreve no calor da emoção e dai acontece isso. Eu ainda tenho sonhos, MUITOS SONHOS. 

Ah, as crianças dessa turma tinham 6 anos. 
E meu desânimo não era culpa delas.  
Just for the record!





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